Desde 2006 um fantasma vem assombrando Santa Teresa, o fantasma do projeto de ampliação do Museu da Chácara do Céu (Rua Murtinho Nobre, 93 – CEP 20241-050 ). O museu da Chácara do céu é bem tombado pelo IPHAN desde 1974, tendo sido inscrito nos livros Histórico, Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no livro de Belas Artes. O tombamento, portanto, abrange não apenas os prédios e os acervos históricos e artísticos como também o parque, o paisagismo. O número do processo é 0898-T-74, conforme referência obtida no site do IPHAN. A concepção arquitetônica é do arquiteto Wladimir Alves de Souza. Os jardins são do paisagista Roberto Burle Marx. Bizarramente, é no exato momento em que o governo federal anuncia a imperiosa necessidade de cortes em investimentos na ordem de dezenas de bilhões de Reais, que tornamos a ser surpreendidos – como sempre alertados pelas jornais – pela reaparição desse inquietante projeto que, ao contrário que supúnhamos, não foi s ainda exorcizado, seja pela força do bom senso, seja pela força do instituto do tombamento , ou, sobretudo, pelo interesse socioambiental de nossa comunidade.
Assim, nos foi dado saber pela media que “Os Museus Castro Maya – Chácara do Céu e Museu do Açude, do Rio de Janeiro, celebram nesta segunda-feira, 28/2, a assinatura de contrato entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Associação Cultural dos Amigos dos Museus Castro Maya. O contrato prevê a concessão, pelo BNDES, de colaboração financeira não reembolsável no valor de R$ 6,2 milhões. Os recursos serão usados na construção do Anexo do Céu e do novo acesso do museu. A verba também custeará obras de contenção e recuperação das encostas dos dois museus Castro Maya (Chácara do Céu, em Santa Teresa, e Museu do Açude, no Alto da Boa Vista), atingidos pelas chuvas de abril de 2010. Os recursos necessários à complementação das obras, estimados em R$ 4,8 milhões, serão destinados pelo Ministério da Cultura. “ … “Anexo do Céu – O anexo do Museu da Chácara do Céu abrigará a reserva técnica do museu, que hoje ocupa espaços inadequados no prédio originalmente construído, nos anos 1950, para ser a residência do industrial, advogado, mecenas e colecionador Raymundo Ottoni de Castro Maya. Haverá ainda salas para atendimento a pesquisadores, jardim de esculturas, auditório, loja e cafeteria. Fonte: http://museus.ibram.gov.br/)
Portanto, apresentamos a seguir nossa razões contra o desatino que se pretende perpetrar contra nosso patrimônio cultural e natural:
1. A própria elaboração do projeto sem concurso público, sem consulta à vizinhança, sem estudos de impacto ambiental e ocupacional, sem audiência pública, sem consulta à Associação de Moradores local – a AMAST, afronta várias leis, como a Lei Federal de Crimes Ambientais – Lei 9605, o Estatuto da Cidade, a Lei Orgânica do Município, o Plano Diretor do Rio, a lei municipal 395/1984 da APA de Santa Teresa e o Decreto 5050/85 que a regulamenta.
2. Há várias afirmações e presunções equivocadas associadas ao projeto, entre estas: a rua Dias de Barros não pode servir como pátio de estacionamento para carros e ônibus de turistas como presume o projeto. A pracinha do Curvelo já atrai frequência ativa em vários dias e horários durante a semana. Qualquer polarização de viagens de ônibus ou carros para o local é inadequada tecnicamente, presume o uso da via pública para suporte à atividade comercial (cafés e lojas), e certamente trará estrangulamento da via, dificuldades de circulação, supressão das poucas “vagas” já utilizadas e outros transtornos para os moradores (ruído excessivo, flanelinhas, etc.) o “novo” acesso com elevador em plano inclinado é justificado por “facilitar a visita e a entrada de deficientes físicos”; trata-se de justificativa bizarra, na medida que o acesso atual pela rua Murtinho Nobre garante a chegada sobre rodas até a entrada coberta principal do Museu. A simples abertura ao público da escada hoje existente, com porta para a rua Dias de Barros, já garantiria uma redução de até 500 metros de percurso ao visitante que chegar pelo Curvelo.
3. Outra presunção é a de que Santa Teresa precisa de “revitalização”. O uso deste termo tem sido fartamente criticado na literatura e nos ensaios de interesse profissional. Pressupõe a elitização, a “gentrificação”, a especulação comercial e outras mazelas. Santa Teresa necessita de ações de preservação, exatamente o conceito oposto. Aqueles que falam em “revitalização” são os que estão destruindo o patrimônio arquitetônico e urbanístico do bairro, seja pela introdução de usos e atividades comerciais predatórios, sem infra-estrutura de suporte, seja pela pura e simples demolição dos bens preservados, como aconteceu, só neste ano, com os prédios da rua Almirante Alexandrino n.660 (Hotel Santa Thereza), rua Almirante Alexandrino n.235 e rua Teresina n.18.
4. Chega-se ao ridículo quando a divulgação do projeto diz que será ocupada uma “clareira no nível intermediário… buscando a menor interferência possível no exuberante entorno e no prédio do Museu”. Sim, há um pequeno vazio no jardim, cuja obvia ocupação para o visitante observador é o da complementação arbórea. Tanto o belo edifício do Museu quanto o jardim que o emoldura são largamente violentados pelo projeto, prejudicando a relação de composição espacial entre o bem arquitetônico e o bem paisagístico. Serão afetadas partes importantes da composição arbórea, sua insolação e ventilação, a circulação da fauna, etc. Fica colocada uma absurda confrontação entre arquiteturas.
5. O Museu sempre funcionou para a exibição da coleção particular de Raimundo Castro Maia. O objetivo e a proposta do Museu serão alterados? Por que? Porque área de trabalho e pesquisa? Reservas técnicas? O que se pretende expor neste espaço? Existe acervo que não está à mostra? Por que só agora, depois de anos de funcionamento, é necessário abrigo para este acervo que não está à mostra? Qual é o volume deste acervo a abrigar? Mesmo que restasse comprovada a absoluta necessidade de ampliação para fim de construção de escritórios para funcionários e reserva técnica, nossa associação já apontou ao IBRAM a alternativa mais adequada tanto à preservação do legado de Raymundo Castro Maia, quanto à defesa do conjunto arquitetônico da APA de Santa Teresa: nas imediações do museu existem imóveis à venda (necessitados de restauração)e que serviriam plenamente para os fins referidos. Assim, não só teriam o espaço que alegam necessário, bem como auxiliariam à cidade restaurando uma imóvel do conjunto arquitetônico de nossa APA.
6. Por que o programa funcional incluiu “cafés”, “lojas” e auditório para cem pessoas? O que indicou esta necessidade? Lembramos que há uma ponte de integração entre a Chácara do Céu e o Parque das Ruínas, centro cultural municipal contíguo à Chácara. Este parque dispõe de café, loja e auditório, subutilizados desde a sua inauguração. Por que construir mais espaços para atividades complementares e subalternas?
7. Cerca de 100 metros quadrados de árvores e outras vegetações teriam de ser sacrificados para a viabilização desse projeto. Além de agredir o instituto do tombamento, tal pretensão desrespeita a memória do instituidor da Fundação. Aquele jardim, projeto de Roberto Burle Marx, nos foi legado por ele.
7. Raymundo Castro Maia foi um ecologista “avant la lettre”. Amou o verde. Tanto que possuía duas residências: uma em Santa Teresa (a Chácara do Céu) – bairro reconhecido por seu significativo patrimônio natural, primeira APA em área urbana no Brasil, e que é “área de amortecimento” do ParnaTijuca – e outra dentro daquela unidade de conservação federal ( hoje conhecido como Museu do Açude e que também pertence à Fundação Castro Maia). Raymundo foi administrador do Parque Nacional da Tijuca por nove anos, sendo remunerado com um Cruzeiro ao ano!. O desnecessário projeto de ampliação da Chácara contraria pois, frontalmente, o espírito de seu instituidor (legado e vontade pelas quais cabe o MP zelar.
Finalmente, entendemos que apenas os recursos necessários ao conserto do desmoronamento da encosta e muro que dá para a rua Murtinho Nobre devem ser consideradas como razões consoantes e pacíficas para o gasto do dinheiro público ou da renuncia fiscal (também dinheiro público), no caso do Museu da Chácara do Céu. Quaisquer outras idéias são altamente controversas.
Desde o anuncio do projeto em 2006, as razões acima foram apresentadas à direção da Fundação Castro Maia, ao IBRAM e ao IPHAN em diversas ocasiões. Portanto, nos resta bater à porta do fiscal da lei , O Ministério Público, – pelos moradores, pela memória de Raymundo Castro Maia e em defesa de dezenas de árvores alvos de anunciado arboricídio – em busca de apoio.
Àlvaro Braga