Do Blog Cidades Possíveis
Logo após o acidente com o bonde de Santa Teresa, na tarde de sábado 27 de agosto, Cabral silenciou. Quer dizer, se pronunciou sobre a morte natural de um diretor do jornal O Globo, mas não sobre as cinco vítimas e dezenas de feridos que seguiam pros hospitais da cidade. O governador resolveu falar apenas no final do domingo, quando se solidarizou com as vítimas e lavou as mãos:
– A atenção e a preocupação do Estado com os bondes – ação delegada à responsabilidade direta da Secretaria de Transportes – são constantes; O governador determinou que o transporte por bondes no bairro fique interrompido e que a Secretaria de Transportes conduza um plano de modernizaçao dos bondes; Às demais questões técnicas mencionadas, cabem respostas técnicas da Secretaria de Transportes.
Pois bem, se a questão era com a Secretaria de Transportes (na nota parece até um órgão independente do governo), começou a ganhar corpo um movimento pedindo a demissão do secretário Julio Lopes, que também é empresário da educação privada no Rio. Sua saída sempre foi desejada por todos, já que a empreiteira Queiroz Galvão – que assumiu o controle acionário da SuperVia no lugar de fundos de investimento das Ilhas Cayman – doou 1,7 milhão de reais para sua milionária campanha a deputado federal. A ideia de substituí-lo era ter na pasta um representante dos interesses da população, não da concessionária.
Cabral, que tinha dado de ombros, logo percebeu que era melhor blindar o secretário-empresário-deputado antes que sua saída pudesse desestabilizar o próprio governo (ele se deu conta que uma coisa tem a ver com a outra). Nomeou o interventor-onofre, que esbraveja contra os bondes e, habilidosamente, coloca moradores do bairro e funcionários da empresa no mesmo saco – talvez pelo carinho que tinham com Nelson, o motorneiro morto no acidente. O interventor os critica como se as vítimas tivessem alguma responsabilidade pelo que aconteceu, não o governo que ele faz parte.
Julio Lopes, ainda secretário, sumiu. O caso aos poucos também estava sumindo da imprensa. Até que foi colocado no You Tube, na última sexta-feira, um duro vídeo sobre o drama das pessoas sendo socorridas logo após o acidente, dando cara aos feridos, mostrando detalhes do caos. Cabral então reaparece, lá da Alemanha (será que foi com o jato do Eike?), de um encontro com empresários (eles estão por todos os lados), e declara:
– Eu assumo o erro. Vamos responder com algo que a população merece. Os dados mostram que os bondes representavam apenas 3% do volume do uso coletivo e ainda sim era muito desorganizado, com baixo número de funcionários e sem manutenção. É uma questão de honra.
O mesmo governador que demorou a se posicionar, e ao fazê-lo culpou o secretário que não quer demitir, reaparece quase um mês depois assumindo o erro. Fala dos problemas como se fossem uma grande novidade, mas até na França já sabem disso. Devem saber também que a Associação de Moradores de Santa Teresa luta há anos na Justiça pela recuperação dos bondes, já ganhou várias vezes, e que o governo foi incapaz de cumprir a decisão. Cabral passa por cima da ética, dos mortos, da justiça e finaliza falando de… honra.
Qual o limite do governador?