As reivindicações da Pauta das Ruas – o fim da corrupção endêmica e das mordomias – são o caminho mais rápido para alcançarmos o Estado Moderno e o ‘futuro’. A população exige uma infraestrutura estatal séria, bons serviços públicos, instituições que funcionem, voz e controle público sobre o uso da coisa pública.
O Brasil inteiro se ergueu dia 20/06/13. Muitas reivindicações eram locais, contra a corrupção local. Muitas eram intuitivas e espontâneas. Já as reivindicações nacionais eram genéricas. Por exemplo, como acabar com a “corrupção”? Qual delas?
As reivindicações precisam ser trabalhadas; a classe média precisa fazer o seu dever de casa e ir estudar as leis e estruturas que precisam ser modificadas. Transparência universal; exigência de ficha limpa universal para todas as autoridades, inclusive as de segurança; redução substancial das mordomias dos parlamentares e autoridades; enfim, todas as medidas necessárias para alcançar os progressistas objetivos das passeatas de junho de 2013 – a começar pela moralização pública. Não é a crise, é a corrupção. Em 20/06/13 foram dois milhões só na Presidente Vargas, não ‘um milhão por todo o país’ como falsamente divulgado. Todas as capitais, e quase todas as cidadezinhas do interior, tiveram passeatas.
É surpreendente como a casta política, ao invés de usar a Pauta das Ruas para ganhar votos, se afastou e blindou das causas. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, no Artigo 1º da Constituição, significa que é perfeitamente legitimo o povo resolver ‘despedir’ seus representantes, representar-se a si mesmo totalmente ou em parte. As leis devem ser referendadas pela população rotineiramente. E mesmo sob o sistema atual, apensar dele dificultar a mudança, a sociedade exige leis de transparência e anticorrupção padrão Fifa e ela eventualmente as terá, mesmo que leve décadas.
Teve inicio um processo de histórico que deverá levar uma geração, de transição para o Estado Moderno por pressão do eleitor, tendo como principal eixo a superação da corrupção e ineficiência, e os privilégios absurdos, uma reivindicação genérica presente em toda formação nacional.
Os países, quando chegam a certo nível de desenvolvimento, entram em uma ‘revolução cidadã permanente’ e param de aceitar a esculhambação que reina ‘desde sempre’ e os privilégios injustos e malfeitos como norma.
É um fenômeno sociológico. Esse passo foi dado por todos os países atualmente do Primeiro Mundo e é um passo moral sem o qual não se acaba com o vasto desperdício de uma nação. A França o fez na sua Revolução, outros países europeus como a Alemanha durante a formação dos estados nacionais no século XIX, época do Romantismo e seu foco bucólico nos valores das pessoas simples para rejeitar os valores de uma elite podre; os EUA, na virada para o século XX na ‘Era Progressista’, época do muckraking e nascimento da imprensa moderna e do jornalismo investigativo. Antes disso, o ancién regime francês e a república dos robber barons americanos foram notoriamente corruptos. Do muckraking americano herdamos a importância da imprensa e do escândalo, do romantismo alemão a rejeição aos valores da elite, da revolução francesa o élan alegre e a importância das passeatas e da pressão popular.
O despertar do Estado Moderno é um fenômeno sociológico basicamente moral e de autoestima coletiva. A autoconsciência da sociedade desperta a verve moral nascida da autoestima individual e ‘estima coletiva’ nacional sob a forma do patriotismo real (não manipulado) e crítico. Levar-se a sério, exigir dignidade para os demais. A Reforma Moral que começa por cada um abrir mão das pequenas vantagens que possa usufruir com o caos vigente, e exigir a mesma seriedade da coisa publica, a res publica, reformando as leis e o sistema político até se emplacar leis de transparecia e anticorrupção e encerrar os privilégios absurdos. As leis de hoje, a falta de transparência, tornam a corrupção quase inevitável, a baixa barganha política do congresso inescapável. Tenhamos leis que as tornem inviáveis, ou pelo menos difíceis e onerosas como nos países do atual primeiro mundo.
Os ganhos até agora incluem a saída precoce do governador, a rejeição da PEC 37 que proibia o MP de fazer investigações, a responsabilização pela corrupção da pessoa jurídica, a dedicação de royalties do petróleo para Saúde e Educação, a Ficha Limpa para cargos de confiança e funções comissionadas no Senado e eleições e o fim do voto secreto em cassações. Leia mais nas matérias d’O Povo e de um blog independente.
A onda de combate à corrupção na Petrobras e no sistema de trens de São Paulo demonstra que a corrupção é endêmica e não é privilegio de nenhum grupo, apesar de ser fortemente concentrada no centrão fisiológico que está na política não por ideologia, mas por suas vantagens materiais imediatas.
O momento atual configura o início de um ‘Muckraking Brasileiro’. O governo atual reconstrói a capacidade de ação estatal (‘state capabilities’) e, ao combater a corrupção sistêmica, finalmente dá uma resposta adequada aos protestos. Agora há que se aprofundar a transformação cultural.
O que ainda falta? Falta um universo de mudanças que ainda precisamos determinar em detalhe, mas cujo espírito geral está bem claro.
Em primeiro lugar, falta emplacar o restante da Pauta das Ruas já existente. Entre matérias já aprovadas no Senado e sob a apreciação da Câmara e outras que ainda nem chegaram neste ponto, esta Pauta é apenas um começo.
- Fim das mordomias e privilégios absurdos
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Imposto sobre as grandes fortunas
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Corrupção se tornar crime hediondo
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Perda de cargo para juízes e MP que tiverem cometido falha grave, como atos de corrupção.
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Perda automática do mandato de parlamentar com improbidade administrativa ou condenação por crime contra a administração pública
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Regras de proteção do usuário dos serviços públicos
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Ficha limpa para servidores públicos
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Facilitar propostas de iniciativa popular de emenda à Constituição
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Passe livre nacional para estudantes
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Reduzir o número de suplentes, vedar cônjuges e parentes
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Fim do foro privilegiado para parlamentares para crimes comuns
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Lei de responsabilidade educacional
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10% do PIB para a educação (ou 7 a 8% como sugerem alguns economistas)
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Estatuto do nascituro
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Regular a ação civil pública para tutela de interesses difusos e coletivos
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Tramitação prioritária na Justiça de crimes de corrupção
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Proibição da nomeação de inelegíveis para ministro ou cargo equiparado
Estas leis são apenas um bom começo. Roma não foi feita em um dia. Associações, conselhos regionais, ONGs, sindicatos, grupos de estudo e pesquisadores analisarão e proporão novas leis. Novas associações, conselhos populares e grupos de estudo se formarão para este fim.
Os eixos econômicos são tão importantes quanto os políticos. Piketty destacou a extraordinária falta de transparência fiscal no Brasil (defendemos leis que equiparem nossa transparência fiscal aos outros países) e tem como tema central a conveniência de se taxar o dinheiro parado – renda, propriedades, grandes fortunas – em relação ao dinheiro circulante e o consumo, que deve ser desonerado
Cabe ter persistência, acreditar no potencial do país, pressionar até obter a aprovação das leis mais importantes, cobrar sua aplicação.
Mesmo a atual repressão violenta e covarde, como as das meninas no início da Copa e a caça às bruxas aos manifestantes ‘presos políticos’ no seu final, não irá calar o povo heroico – é necessário sempre denunciar toda perseguição ilegal, a qual vem se generalizando. Há boletins médicos oficiais sendo falsificados para esconder a quantidade de feridos, há cidadãos sendo perseguidos por fazerem denúncias.
As imensas passeatas pacíficas foram invadidas e sabotadas pela violência de fora. Ao final das grandes passeatas de junho surgiam homens fortes de fora que quebravam tudo. O uso de ‘agentes provocadores’ é uma batidíssima estratégia do século XVII para permitir a posterior repressão e criminalização das passeatas. Os Black Bloc vieram meses depois, em resposta à truculência policial.
O que funciona são passeatas controladas tipo “Gandhi”, onde a mídia independente tem um papel importante. Para tanto, é manter o controle dos protestos e documentar o rosto de todos os elementos antissociais, entre policiais truculentos e vândalos infiltrados, para impor grandes manifestações pacificas contra as quais não há o que argumentar.
Os valores e espírito da Pauta das Ruas, suas propostas atuais sendo um primeiro passo, para a consecução do Estado Moderno moral e racional, próspero e transparente, são uma bandeira clara o suficiente pela qual lutar, para unir a sociedade e reunir os milhões que marcharam em junho de 2013.