Quando a Amast coloca que o bonde proposto pelo governo estadual é um horror e um absurdo, sem propósito além de enriquecer fornecedores amigos, isso não é um juízo de valor arbitrário nosso. É a posição oficial do órgão a quem cabe determinar que o bonde proposto é, de fato, um horror: o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
A qualidade e valor turístico de um destino com tradição histórica estão relacionados à sua conservação histórica. Todas as cidades e bairros históricos, como por exemplo Ouro Preto, têm na sua conservação um dos seus maiores patrimônios.
Além do bonde turístico proposto pelo governo ter capacidade reduzida, sem a mais remota pretensão de atender à população – “é um transporte que não é de massa,” desprezou o governador. Naturalmente; transportes de massa são os trens, metrôs e barcas, mas o que ele quis dizer é que o bonde deverá deixar de cumprir sua função social, aumentar de preço, deixar de atender ao cidadão. Até o acidente, as passagens custavam R$ 0,60. “Isso aí vai ser visto oportunamente”, desconversou Julio Lopes, o secretário de transportes responsável pelo sucateamento do bonde, deliberado e portanto assassino.
Enquanto novidade pasteurizada e sem valor histórico, um bonde “novo” perde todo o seu charme e, assim, valor para o turista – predominantemente jovem e culto, universitários europeus – que caracteriza o visitante e o hóspede do bairro. Ao se colocar um bonde pasteurizado, mata-se todo o charme, valor histórico e a própria atratividade turística do bairro. Ao torná-lo caro e indisponível para o morador, restringe-se também sua atração antropológica, que se soma à histórica. Cria-se uma clientela estéril composta apenas de entediados turistas, que perdem a experiência de contato humano e aventura que sempre tornou o passeio de bonde um dos programas turísticos mais populares do Rio.
O novo bonde seria ruim para o morador, ruim para o turista, bom mesmo só para o fornecedor amigo. É esse clientelismo cavalar de Cabral que marca a construção da Copa e Olimpíadas (vide a Aldeia Maracanã) que poderia ser uma oportunidade de desenvolvimento verdadeiro, mas que está sendo feito como mais um mega-evento de plástico, sem relação nem ao menos com o esporte nacional e seus atletas abandonados à sorte como se as competições em um país vizinho fossem. Orgulho nacional? Desenvolvimento? “Quero é encher meu bolso.”
O Parecer do IPHAN rejeitando categoricamente o Bonde proposto pelo governo, assinado pela arquiteta Joyce Kurrels Pena, não poupa a proposta da Cia Estadual de Engenharia e Transporte e Logística (Central): “outro aspecto que os chamou a atenção foi a forma lacônica” (…) “o Termo de Referência é vago, para não dizer alheio, em relação aos bondes já existentes, objeto de tombamento pelo INEPAC e agora também pelo IPHAN” (…) “o bonde foi simplesmente feito em pedaços, levando à morte de cinco pessoas e denunciando, não só uma crescente desatenção em relação às ações ordinárias de manutenção” (…) “o anteprojeto apresentado é conflitante com todas as nossas expectativas de preservação dos tradicionais veículos” (…) “vemos como incompatíveis as modificações” ….e mais. Fazemos nossas as palavras oficiais do IPHAN sobre a questão – e elas não deixam dúvidas.
A parte mais interessante do Tombamento do Bonde de Santa Teresa, reunida em um caderno de documentos, faz o retrato de uma época e de uma luta. “O sistema de bondes de Santa Teresa é marca indissociável da paisagem do Rio de Janeiro, a mesma paisagem apresentada no título de ‘paisagem cultural da humanidade’”, explica o processo. Este é o motivo pelo qual os moradores e amigos, artistas e proprietários, comerciantes e anfitriões – e todos os cariocas que prezam a riquíssima história da nossa cidade – sempre exigirão o Bonde histórico e social, presença integrante e fundamental da paisagem, economia e infra-estrutura do bairro e que não pode ser substituído pelos ônibus, absurdamente caros para a parca quilometragem do trajeto e, atualmente, com a manutenção e a condução imprudente da mais baixa qualidade: lembramos que o acidente do bonde em 27/08/2011 teve como estopim um impacto com um ônibus desgovernado igual ao acidentado novamente em 28/11/2012.
Comprovando o sucateamento vergonhoso, o Laudo do Acidente do Bonde demonstra o total descaso com a segurança dos passageiros e da população. Exigimos a responsabilização civil e criminal do secretário de transportes Júlio Lopes e do governador Sérgio Cabral pela morte totalmente evitável dos passageiros em função do sucateamento.
Nossa luta é pelo respeito ao tombamento do bonde – parte integrante do Patrimônio da Humanidade – havendo possibilidade da modernização da parte técnica para maior segurança, porém não do visual – e pela função social do bonde, sem aumento da passagem – com aumento da frota, para atender plenamente aos moradores e visitantes.
Assim como o IPHAN, exigimos a volta do Bonde Histórico e social – e já.
