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AMAST

“Índio quer apito, se não der pau vai comer: Não Vai Ter Copa!”

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Chegava à apoteose a banda de Carnaval do Rio talvez a mais rica musicalmente, a Orquestra Voadora, cantando “Não Vai Ter Copa!” Mas por quê? O ‘gigante’ que desperta é o Estado Moderno, racional e moral, indispensável para um país atingir a solidez a que chamamos “ser de Primeiro Mundo”.

É preciso extirpar a corrupção endêmica em todos os níveis,  não bastam recursos e capacidade técnica, para um Estado alcançar a Modernidade. A França deu este passo com a sua Revolução, em 1789. Os EUA, no início do século XX, no nascimento da imprensa moderna em um movimento chamado Muckraking. A França durante o ancien régime, e os EUA do século XIX com seus robber barons  e coronéis políticos, eram exatamente tão corruptos quanto os países hoje do Terceiro Mundo, como por exemplo o Brasil.

Quando 10% do valor de uma obra é desviada, a perda não é destes 10%, mas do orçamento total: porque como é que dentro de uma quadrilha um vai cobrar do outro qualidade e prazo? Só poderia cobrar se não tivesse o rabo preso. Então você perde a totalidade do investimento, porque a obra fica muito inferior. Rabo solto não tem preço, é o primeiro passo para a seriedade, o exercício do livre arbítrio e a prosperidade – que exige as anteriores.

 

Honestidade, vergonha na cara, respeito por si próprio. A evolução dos povos inclui os costumes e os comportamentos: e não existe substituto para a integridade. O passo moral de extirpar a corrupção endêmica – que sempre houve aqui, como sempre houve nos países hoje do Primeiro Mundo até o belo dia em que deixou de haver – é uma evolução moral que falta ao brasileiro médio, enquanto ser humano, para ser uma pessoa plena.

Não vou nem falar do jeitinho. É muito cômodo não ver as violações de direitos humanos infligida aos pobres. O termo ‘enteado’ é uma abominação linguística, no mundo todo o termo é ‘filho adotivo’, em geral usando um prefixo. Você ao não enrolar quando não tem como ajudar uma pessoa, ajuda ela a não perder tempo. Gentilezas da boca para fora são alienantes, é a cordialidade da gelatina. É indigno viver sob a tutela do crime – e da corrupção endêmica – e os cidadãos não podem a tolerar. O país poderia facilmente ser uma potência mundial, pelo menos diplomática, se ao menos tivesse coragem de sair de cima do muro e se posicionar nas questões, nem que fosse apenas para exigir com maior agressividade o cessar-fogo e o diálogo por ocasião dos conflitos.

A ‘ausência de valores’ nacional na verdade reflete a ausência de valores da sua elite, certamente a pior e mais bundona elite do mundo, que só nos faz passar vergonha face ao mundo, desprezíveis filhinhos de papai: um ou outro Barão de Mauá ou Eliezer Batista, mas pouquíssimos. Há um conceito cultural fundamental que rege a cultura da elite em todos os países desenvolvidos do Ocidente, que é a noblesse oblige. O nobre ou rico tem a obrigação de ser melhor, mais educado, dar o exemplo, fazer algo pelo desenvolvimento do seu país, economia ou cultura. Há textos europeus do século XVII reclamando da elite daqui, que não queria saber de estudo ou de melhorar as terras, só se preocupavam com suas proezas sexuais, como se a noite já não tivesse doze horas. Tudo um bando de bundão.

 

Os valores nacionais positivos vêm do povo, das camadas populares, do folclore. Outra parte vem dos artistas, alguns dos quais os nossos principais heróis culturais (influências culturais civilizatórias), bem como dos intelectuais. Uma parte técnica está sendo desenvolvida por uma casta burocrática tecnocrata de funcionários públicos altamente qualificados, um terceiro grande grupo de influência civilizatória nacional.

O mais importante culturalmente é o primeiro – os valores morais populares tradicionais – fruto da miscigenação histórica, que é a mais mundialmente reconhecida das contribuições que o Brasil acrescenta à civilização ocidental. Os valores positivos, oriundos das camadas populares tradicionais, precisam se impor enquanto valores nacionais dominantes, uma revolução cultural no imaginário, onde os valores (ou melhor, a incrível ausência de valores) da elite deixam de ser o consenso nacional propagado. Viva todas avós humildes do interior. É lá que está a reserva moral, os valores positivos; e no índio, no quilombola, no caiçara, no caboclo: não em todos os indivíduos destas populações, mas nos seus valores ensinados. (Mais da metade dos países da Europa passou exatamente por isso no século XIX, durante a formação dos estados nacionais. Aqui, isso repercutiu como o movimento literário do Romantismo – assunto para saraus. Lá, foi sério. Não é necessário reviver o Romantismo, apenas entender que os valores nacionais vêm mais dos traduções populares, folclore e arte, do que das elites).

 

Demorará algumas décadas, nada é instantâneo; mas o processo finalmente começou, a opinião popular da sociedade nacional se reconhece enquanto povo forte, alguma massa critica no desenvolvimento foi ultrapassada, e a sociedade acorda para exigir, de baixo para cima, que se faça a transição. O ‘gigante’ que desperta é na verdade a Sociedade, que se vê com a tarefa de exigir a transição para o Estado Moderno. “Impostos de primeiros mundo? Então serviços idem.” Mas é mais profundo do que isso: não são só os serviços, nem só de R$ 0,20 vive o homem. As leis precisam, cada uma em seu setor, ser reformadas para inviabilizarem a corrupção, e não a tornar quase obrigatória, como o é hoje em dia, em todos os níveis e setores e detalhes e, mais do que isso, fazer cumprir as leis que já existem – uma Reforma Moral, que começou coma Ficha Limpa: transparência total e fiscalização séria. Cadê a CPI dos Ônibus?

Ser boçal tem que sair de moda, falta de educação, essas coisas; isso modifica a população. Tem que acabar com os privilégios absurdos e os sobretetos (e o sobreteto tem ser a metade do atual); isso modifica a elite bezerra, os políticos, juízes, diretores de empresas públicas, altos funcionários. Ser um pais decente: mesmo que isso não fosse a única forma de se passar para o Primeiro Mundo, mesmo que não trouxesse beneficio material algum, viver em um país decente, honesto e serio é uma incomensurável recompensa em si mesmo. A mudança também pode começar pelos pequenos passos, pelo que estiver bem na sua frente, já que a escolha pessoal é a única coisa que uma pessoa realmente tem. Um país que dê satisfação moral de ser composto de pessoas decentes: basta esses valores se tornarem prevalentes; afinal, a maior parte das pessoas, em todas as classes sociais sem exceção, é honesta – basta a maioria se impor.

É isso que aconteceu com todos os países que hoje são o ‘Primeiro Mundo’ e é isso que está começando a acontecer aqui. Se for igual a como foi nos outros países, a transição deverá levar algumas décadas. As Reformas Morais têm que ser profundas, cada aspecto da lei retrabalhado para aumentar a transparência e a fiscalização para inviabilizar toda roubalheira pública, claro, mas também diminuir os privilégios. Comissões de  cidadãos podem assumir a tarefa e lançar  centenas de leis por proposta popular (como a Ficha Limpa), uns apoiando os outros.

Em todo o mundo as mídias sociais fortaleceram a capacidade de mobilização popular, naturalmente, mas na maior parte do mundo as reivindicações são mais pontuais e, de qualquer forma, os países ainda estão longe, ou já passaram, deste ponto. Pode ser que a Turquia esteja em um momento similar.

 

Um futuro possível para a democracia moderna é uma Democracia Participativa, mais próxima que a atual, em espírito, da de Atenas, com todo seu engrandecimento emocional e empowerment. Cada cidadão poderia se quiser dedicar uma hora por quinzena para participar de uma comissão, e em todo caso quinze minutos por trimestre votando nas consultas legislativas (‘eleições’ de rotina das leis). No Primeiro Mundo hoje, muitas eleições trazem verdadeiras “listas de compras” de leis sendo referendadas, permitindo arrojo e legitimidade maiores. Uma democracia de base, mais orgânica, competente tecnicamente, mais legítima, fortalecendo o pacto social e a união nacional. A democracia diretamente exercida pela população, através do processo legislativo – através dos referendos, plebiscitos e leis de iniciativa popular – devem se tornar rotina, a regra geral e não a exceção, para não termos que viver na rua a toda hora.

 

O remédio para os problemas de uma democracia recente é a democracia madura. A nossa é recente por causa das frequentes rupturas institucionais, como por exemplo a Ditadura, instaurada por obediência servil ao estrangeiro durante a Guerra Fria, que por sua vez agiu por histeria sobre o risco ridículo de uma revolução Guevarista que absolutamente ninguém estava articulando a sério. Um dos principais argumentos foram as Reformas de Base de Jango, reformistas e social-democratas e em nada comunistas, como a Reforma Urbana. Você sabia que mais de 10% dos imóveis do Rio permanecem até hoje sempre desocupados para especulação, enquanto uma proporção similar de todas as classes sociais sofre de falta de moradia? Em uma reforma urbana, os imóveis permanentemente desocupados são desapropriados mediante indenizações pelo valor de mercado, similar à Agrária. Pois essa proposta foi uma das desculpa para se dizer que aqui estava virando um Cuba: bullshit, é cascata.

 

A violência ao final das primeiras grandes manifestações em junho de 2013 foi obviamente feita por agentes provocadores e vândalos contratados, uma desculpa para a policia poder reprimir com truculência. É uma tática manjada, muito usada desde o século XVIII. A sociedade mordeu a isca e radicalizou os protestos. Era isso que eles queriam: agora vão passar leis ditatoriais contra as manifestações, para ajudar a preservar seus privilégios.

Vamos fazer manifestações com o maior controle possível, sem vandalismo adolescente, que não aceite provocações e, principalmente, que se registre o rosto de vândalos de fora com o mesmo rigor que a truculência policial, e depois publique as fotos. Os manifestantes podem e têm que readquirir o controle sobre a própria manifestação.

Em tempo, sejamos apartidários sempre, apolíticos jamais. Ser apartidário é não favorecer um partido ou político sobre o outro, é valorizar os princípios gerais (em uma acepção mais rígida, muitas vezes também é ser cético em relação aos partidos). Isso não significa não se manifestar nas eleições, da mesma forma que qualquer jornal profissional se manifesta no seu editorial. As entidade de base têm o mesmo dever editorial. Já ser apolítico é ser, simplesmente, alienado…