O objetivo é convencer corações e mentes, para conquistar as mudanças necessárias para a tardia modernização do Estado. O caos favorece a inércia – portanto o ‘status quo’ – e a corrupção. Tudo o que as corjas no poder querem é deslegitimar os atos, para que possam ser ignorados, confiantes nos coitados que os reelegerão na próxima eleição. Se deixar barato continua tudo como está, mas idem, se o adversário consegue te desmoralizar.
Vamos lembrar que a violência nas grandes manifestações no Rio em julho começou com estranhos grupos de homens fortes que apareciam ao final das grandes manifestações pacíficas, com um ou dois milhões de pessoas, para depredar tudo. Obviamente, manjados Agentes Provocadores – policiais de folga ou milicianos (em sua maioria, fortes e morenos, mais velhos) bem como alguns criminosos comuns de carona (em sua maioria, magros, morenos e se movendo como ratazanas).
Além de assustar e afastar a maioria dos manifestantes – e obscurecer a legitimidade das manifestações – isso fabricou a desculpa para a polícia criminalizar e reprimir as manifestações com violência. Em Sampa, com sua tradição de autoritarismo absurdo até entre reles seguranças de bar, não se precisava desta desculpa e a polícia já começou atacando.
Bem depois, surgiram os BB (em sua maioria, magros e claros, mais jovens) para ‘defender’ os manifestantes e, claro, gerar alguma tensão para aumentar o impacto dos atos. Mas aí voltamos à estaca zero, como era antigamente. Manifestações pontuais (mesmo que mais frequentes) com apenas centenas de pessoas, que podem ser tranquilamente ignoradas enquanto fato político.
Foi também uma desculpa para a polícia invadir dezenas de residências de manifestantes sem mandato para roubar todos os equipamentos de informação, ainda soltando um ‘estamos em guerra civil’ (mesmo antes de UM único policial ser agredido em SP, isso após centenas de jornalistas e cidadãos pacíficos). Uma estudante da PUC que denunciava estas ações ilegais teve a casa misteriosamente incendiada.
Enquanto isso, a CPI dos Ônibus e a investigação dos diversos abusos bem documentados de um governador autoritário que cresceu simultaneamente com a milícia, patinam – e estagnados, ao que parece, permanecerão. Sim, o MP foi preservado, como estava antes, as passagens permaneceram, como estavam antes, mas isso é um empate, não uma vitória.
E esse mínimo foi ganho pelo convencimento gerado pelos primeiros protestos e não por intimidação. Para se obter as mudanças através da intimidação, isso exigiria um tensionamento muito maior, uma guerra civil de fato, uma vez que corrupto não se constrange, por definição, ou não seriam corruptos em primeiro lugar. Por praticidade pura e simples, o convencimento da maioria e o uso político das manifestações na construção de um clima de consenso social sobre a premência das mudanças é muito mais eficaz – e um processo histórico mais belo – que seu uso para criar a estridente aparência de instabilidade política.
Vamos voltar dois passos. No início das manifestações, as coisas estavam no rumo certo – grandes manifestações, respeitadas pela classe política, exaltadas pela presidência de república e até mesmo, pasmem, pela mídia conservadora.
É necessária uma mudança de estratégia. Forças, fraquezas, ameaças e oportunidades, a fórmula do ‘planejamento estratégico’. O que temos (forças)? Temos a opinião pública politizada; temos jovens com grande capacidade técnica; temos o MP preservado. O que não temos (fraquezas)? Não temos as câmeras legislativas (e somente quando a democracia direta for exercida no legislativo e as leis aprovadas rotineiramente por referendo ou plebiscito, estaremos livres das máfias e do fisiologismo, a grande causa do atraso do Brasil). Não temos as forças de segurança. O que temos parcialmente (oportunidades)? O apoio parcial da imprensa e o apoio passivo da maioria silenciosa da opinião pública. Então onde nos cabe agir? Sobre o que temos parcialmente.
Para demonstrarmos a legitimidade soberana que é o direito da sociedade, precisamos parar de jogar o jogo deles. Ouvi, bem início dos vastos protestos pacíficos, pessoas mais velhas reclamando que estava tudo muito água-com-açúcar, que tinha que haver mais tensionamento. Mas usar a violência é jogar o jogo deles. É o argumento para minar a legitimidade do protesto usado pela imprensa conservadora para convencer a maioria silenciosa; pelas forças de segurança para reprimir com truculência e, frequentemente, ações ilegais; pelos governantes corruptos acuados, para passar leis inconstitucionais.
A desobediência civil e as manifestações pacíficas têm muito mais força política. Muitas vezes exigem mais tempo para causar impacto, mas é como um carro subindo uma ladeira e primeira marcha, e não correndo a toda velocidade.
Todos chegam ao local e se sentam. Faz um piquenique, leva um som. Leve livros. Grandes ocupações permanentes. Todos os que forem participar também escrevem para imprensa e autoridades antes de sair de casa (http://amast.org.br/dicas-para-outros-problemas/contatos-da-imprensa/ e http://amast.org.br/dicas-para-outros-problemas/poder-legislativo/). O que vai acontecer, claro, é que virá a polícia de madrugada para aterrorizar os ocupantes.
Aí entra a filmagem. Tudo filmado o tempo todo dia e noite, por segurança, se necessário rebobinando a fita quando nada ocorrer. É essencial fotografar com teleobjetiva o rosto dos agentes provocadores ou vândalos profissionais e dos policiais reprimindo ou agindo ilegalmente – e então criar e divulgar amplamente os álbuns – e usar o MP e a imprensa para os identificar e punir – fazendo upload de tudo na hora, para se for atacado, com uma equipe para receber os uploads. Entre os registros já feitos e guardados de manifestantes, ninjas e jornalistas, há muito material bruto para se decupar, enhance, organizar e divulgar. É a Inteligência do movimento cívico.
Não se pode dar a menor brecha para os conservadores poderem questionar a legitimidade do ato. Castanheda (o Carlos, não o Jorge) explicava que a impecabilidade é o segredo do guerreiro (bem como da sobrevivência do feiticeiro em mundos estranhos). Sejamos, pois, impecáveis: qualquer coisinha é desculpa para oprimir o povo. O caos, nos atos como na vida, favorece à inércia, logo o status quo e, obviamente, o crime. O nível de caos que ameaçaria o status quo é imenso e teria vários efeitos colaterais desagradáveis – quando o consenso sobre as mudanças necessárias, o fim dos privilégios, a eficiência dos serviços e o combate à corrupção, já é consensual. A bola já está na boca do gol. São necessárias paciência e competência para organizar e documentar ocupações e atos extensos. Uma boa estrutura logística e de apoio. Uma programação cultural – mas nada que já não se tenha feito nos últimos meses.
Os atos devem ser os mais obstrutivos o possível – aldeias que fechem avenidas – teve que sair volta de novo, mas sem uso da violência, sempre declarando reivindicações e condições claras e explícitas (a realização séria de uma CPI, a cassação de um mafioso, etc).
Como disse o Marechal Rondon, o mais respeitado de nossos militares, “Morrer se necessário for. Matar, nunca!”. Chegando companheiros mais exaltados, explicar para eles a ideia. Não quer saber, quer sair queimando, infelizmente entra no ‘álbum negro’ a ser divulgado dos maus policiais e dos agente provocadores.
Assim, na linha de Ghandi, da foto acima, e Rondon (sim, haja paciência, mas é a única forma de convencer a maioria silenciosa – ninguém espere em sã consciência que vai constranger um único corrupto) reconquistaremos as multidões, a imprensa e, logo à frente, o rumo da nossa História, agindo com a soberania e a tranquilidade de uma Sociedade que sabe que é a dona legítima do país.
Leitura:
“A Desobediência Civil” de Henry David Thoreau. Repare que vandalismo não é desobediência, é contravenção (ou até crime, em sob um Código elitista como o nosso).
ou
Filme:
“Ghandi” de Richard Attenborough. As passeatas mais eficazes da História conseguiram vencer uma ocupação imperial – algo mil vezes mais difícil que pressionar por mudanças políticas consensuais.
ou