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Democracia Plebiscitária, Sim

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O demofóbico editorial d’O Globo de 23/11 “A perigosa tentação da Democracia Plebiscitária” a associa ao boliviarismo (que também copia a transferência de renda, congelamento de preços, etc). A diferença é que numa democracia direta real, as propostas fluem de baixo para cima, como na Ficha Limpa. A evolução das instituições abrange a sociedade toda, de alto a baixo – a nação é una.

bandeira_do_brasilVamos lembrar que a Rede Globo nasceu com a doação do satélite pela Ditadura (de presente mesmo), é a primeira coisa que se aprende na faculdade de comunicação, quando a coisa republicana a fazer teria sido o disponibilizar à rede educativa e o alugar às TVs particulares em geral. Naturalmente, a/o Globo sempre foi a voz oficial das forças conservadoras.

Repare que na mesma edição impressa de 23/11, a matéria principal de Ciência sobre a COP-19, ‘Florestas mais protegidas’, anuncia em grande destaque o desmatamento anual brasileiro atual, “5.843 MI de km2”, quando o certo são simples “5.843 km2” – sem os MI, milhões – ou seja, não perdem uma chance de sabotar o atual governo federal, só por este não ser tucano.

É natural que os ‘liberais’ e conservadores temam todo e qualquer progresso popular, ainda aferrados a uma visão classista (de consciência de classes). Ninguém tem consciência de classe tanto quanto um rico. Marx só estava propondo que os trabalhadores e pobres se tornassem tão ciosos de sua classe quanto os ricos sempre o foram. Imagine se não iam reclamar dos ‘plebiscitos’, palavra com a mesma origem semântica que ‘plebe’.

 

Quando O Globo associa a Democracia Plebiscitária ao chavismo e ao boliviarismo, apenas repete as reações conservadoras automáticas esperadas n’A Voz dos Gringos Ricos. Os boliviaranos copiaram também nossos programas de transferência de renda, de congelamento de preços, todas as ferramentas possíveis, e mais as que ainda porventura ouvirem falar – mas a democracia plebiscitária não foi inventada por eles, é a essência da democracia, que vem de Atenas. Não queremos fazer um juízo de valor sobre o bolivarismo como solução para seus problemas históricos locais – mas não é o modelo aqui proposto. Não há aqui simplificação das questões, apelos ou macetes.

Alguns líderes populistas, de fato, se apropriam indevidamente dos plebiscitos para forçar mudanças políticas de um escopo que não conseguiriam legitimar de outra forma. Usam como um macete. São plebiscitos de cima para baixo, onde a função da sociedade é o de torcida, é o de dizer “sim!”, não o de debater e propor, pegar o projeto e mudar tudo, dizer ‘eu gosto deste ponto aqui, e só’.

Em uma democracia plebiscitária real e não seu simulacro populista, as propostas vêm de baixo para cima  – como nas leis de iniciativa popular, vide a meritória Ficha Limpa, o primeiro produto concreto (afinal!) da Constituinte de 88, a nossa Constituição Cidadã. Na verdade, é só agora que a Constituinte começa a ‘tomar pé’ e gerar frutos.

 

O passo que se dá hoje no Brasil é a passagem para o Estado Moderno, iluminista, leia-se racional, ou seja, é um passo moral, de superar a corrupção endêmica dos estados arcaicos. O Estado moderno, sendo racional, é honesto, transparente e busca ser eficiente – fazer o melhor que pode ser feito com os recursos à mão.

Este passo foi dado pela França na Revolução, pelos outros países da Europa no Séc. XIX, pelos EUA na época do Muckraking no início do Séc. XX. É a moralização do Estado que está no cerne da sua modernidade e racionalismo.

Paralelamente a isso, a sociedade vem se tornando mais coesa com as comunicações e as redes sociais, em cada local acelerando seus processos históricos individuais.

Como se diz em Minas, ‘liberdade, ainda que tardia’…  Estamos deveras atrasados em relação ao primeiro mundo. Mas é importante entender que só esse passo viabiliza que uma nação atinja a prosperidade. Sem a moralização e o funcionamento racional do Estado, mesmo com riqueza natural infinita, nadando em tecnologia, no ano 3000, para sempre arcaicos e retrógrados permaneceremos.

 

As instituições democráticas carecem de evolução em todas as esferas nos países jovens como o nosso, em todos os setores da população, desde o mais refinado especialista até o mais humilde trabalhador. Os desafios sérios de uma nação – guerras, crises, desastres – exigem a mobilização de todos. A nação para ser forte precisa ser una, do presidente ao peão.

O papel do desenvolvimento das instituições democráticas de base e populares – a infraestrutura – é tão relevante quanto o das instituições democráticas especializadas e das autoridades – a superestrutura. O fluxo de processo político abrange todas as esferas da sociedade. Ter sólidas instituições populares e entidades de base, que representam grupos de indivíduos diretamente, e não idéias (associações de moradores, CAs e grêmios, sindicatos), e outras que não são entidades de base, como os Conselhos Regionais, é tão importante quanto ter uma superestrutura confiável, com boas escolas de gestão pública e autoridades honestas e zelosas. A inteligência não está concentrada na superestrutura, muito pelo contrário, quase invariavelmente as melhores soluções técnicas, para não falar nas observações sobre a realidade, vêm da infraestrutura. E de qualquer forma, mesmo que assim não o fosse, a União (e o Estado) pertence igualmente a todos.

 

A função dos representantes políticos cumpria uma função no mundo anterior à eletrônica e as redes, pois as pessoas precisam ir trabalhar e não podiam viver, como os proprietários Atenienses, o dia todo de papo, debatendo no Agora (mas eram eles que iam para a guerra, não os escravos). Enquanto que, hoje em dia, 1) a técnica permite que as pessoas expressem sua vontade de forma cada vez mais fácil e organizada. Junte-se isso ao fato que, 2) a instituição da representação legislativa sempre criou desvios, mesmo nas melhores circunstâncias, mesmo na Finlândia, enquanto que no Brasil, onde a corrupção sempre foi hegemônica, a instituição dos representantes legislativos se torna um fardo terrível para a nação, com péssimo custo-benefício, trincheira da corrupção, às vezes crime, e do atraso.

Juntando as duas coisas, é natural no mundo todo, aqui talvez com um pouco mais de urgência, começarmos a retomar essa delegação de poder que conferimos aos nossos ‘representantes’ – e dizer que delegamos um tanto ou quanto menos – a sociedade começar a exercer diretamente o poder legislativo, através do uso cada vez mais intenso de leis de iniciativa popular, plebiscitos e referendos. Precisamos esvaziar o poder (e pelo menos 80% do custo funcional) dos representantes legislativos, que permaneceriam com orçamento e poder diminuído para ‘liderar’, ou tentar, os debates sobre as leis. Comissões voluntárias e entidades devem se multiplicar; Um país em peer review – a constante avaliação pelos pares. Tornar a manipulação das leis pelos grupos de interesse e criminosos mais difícil; a democracia, mais vital e eficaz.

O Legislativo se presta bem à democracia direta – os serviços prestados pelo Executivo são especializados, do posto de saúde às forças armadas, enquanto no Judiciário tendem a se formar turbas, como nos ensinou o julgamento de Sócrates. Todo poder corrompe, mas simplesmente ‘acabar com o poder’ e o Estado apenas resultaria no país rapidamente ser controlado por criminosos e posteriormente anexado. Assim, a segunda melhor opção é diluir o poder igualmente entre todos.

Todas as democracias ocidentais modernas estão começando a evoluir neste sentido. Nos EUA e Europa, na maioria das eleições, além do voto no candidato, você escolhe uma série de leis. Seria apenas uma evolução disso os referendos sobre leis se tornarem trimestrais ou semestrais, os debates sobre as leis ocuparem os meios, a cultura e as discussões públicas. Dez milhões de cabeças pensam melhor do que duzentas. Leis poderão ser propostas por comitês populares, comissões técnicas, políticos, instituições e outros atores.

 

Os protestos e manifestações vão continuar e crescer. A violência pode ser uma reação natural à falta de vergonha na cara e espiritice-de-porco demonstrada por diversas autoridades (e a boçalidade do rico – com uma ou duas exceções, temos certamente a pior e mais bundona elite do mundo, só fazem queimar o filme do país – e o egoísmo claustrofóbico pequeno-burguesa da classe média especuladora), mas o fato é que quanto mais controle os manifestantes tiverem sobre as suas manifestações, melhor, o caos só serve para anular o efeito político dos atos.

Fotografando todo e todos, incluindo policiais ilegalmente ou deslealmente truculentos e vândalos desconhecidos que chegam ao final das manifestações, devemos retomar o controle dos atos, para os legitimar. Reconquistar a hegemonia na opinião pública, da qual os atos gozaram no início (antes de serem sabotados pelos agentes provocadores e vândalos profissionais ao final dos atos a mando das forças conservadoras). Em relação às reformas moralizantes essenciais, a bola já está na boca do gol. É só não perder o controle agora.

Não há atalhos. Não jogamos com macetes. Nem precisamos.