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Bonde

Santa Teresa é o bairro do bonde tradicional e histórico. E ele é a alma desse lugar.

Paulo Saad. Presidente da AMAST

Santa Teresa é o bairro do bonde. As outras modalidades de transporte; vejo-as como invasoras. É o último resquício dos carris. “É um serviço essencial àquela população”, disse o engenheiro e professor Raul de Bonis, ex-Secretario Estadual de Transportes, em audiência no CREA RJ. “Peça uma peça e te darei duas”, nos disse um dos cinco costumeiros fornecedores da oficina do Guimarães.

“Só não fornecemos mais e mais barato por que nunca há recursos para a manutenção”. A alegação da falta de peças é uma desculpa, uma meia-verdade. “No limite, sempre será possível usinar novas peças na oficina …basta equipá-la … não custa caro”.

Este processo de modificação tecnológica dos bondes de Santa Teresa, iniciado em 2004 e fracassado até hoje, se baseia no poder de império do Estado autoritário, com todos os equívocos e as trapaças dele decorrentes.

De 1997 a 2000, a experiência do engenheiro Bernardo Stille, ex-Metrô, que voltara de estudos sobre o tema, na Europa, demonstrou de forma serena e inquestionável a viabilidade do sistema de bondes tradicionais de Santa Teresa, a viabilidade do tombamento histórico e cultural “dos mecanismos e acessórios” do bonde (texto do livro do Tombo).

Com pouco mais de R$ 2 milhões, sua equipe reformou 12 bondes na oficina do Guimarães, fez obras na via e na rede aérea, restaurou o Museu do Bonde, entre outras. Miseravelmente, de 2000 a 2004, mais uma vez o governo voltou a negar dos recursos para a conservação dos bondes. Com a saída de Stille, os bondes restaurados foram sendo canibalizados. A ALERJ aprovou recursos mas Garotinho os desviou para outras finalidades.
Em setembro de 2004 o bonde elétrico fez 108 anos de serviços prestados. Rosinha, a governadora, em meio a uma semana de protestos, em reunião na oficina, nos prometeu atender à demanda do povo: completar a restauração do Sistema – garantir 19 bondes restaurados, a rede aérea toda nova, a via permanente idem, as estações Carioca-Curvelo-Silvestre e o edifício da garagem, reequipar a oficina, garantir condições de trabalho aos funcionários, etc. Os recursos montariam R$ 22 milhões e seriam oriundos do PET-BIRD.

Desgraçadamente, esse compromisso do governo foi alvo da ganância empresarial e da “conveniência política”. De forma obscura, sem o conhecimento dos usuários, o Estado decidiu que aproveitaria os recursos para fazer uma modificação tecnológica, traindo o acordo original. Uma negociata para ninguém botar defeito: R$ UM MILHÃO por bonde modificado. Sem projeto de engenharia, sem pesquisa técnica anterior, e sem nenhum desenvolvimento tecnológico comprovado, alguns engenheiros da SETRANS e da TTRANS, empresa de Três Rios, decidiram “transformar o bonde em VLT”! (sic). Sequer sabiam que o bonde era tombado. A garantia contra defeitos seria de míseros doze meses! (já suspeitavam que ia dar errado…).

Iniciou-se um processo de tentativa e erro, algumas tentativas e muitos erros, que já dura mais de 4 anos, entre “testes” sem fim e “operação assistida”. Até agora ninguém teve a coragem de comprovar a conclusão da etapa! Mesmo assim, cinco “veletês” foram postos para rodar comercialmente (?). Os usuários serviram de cobaias, o que veio a caracterizar a mais grave manifestação de falta ético-profissional, que exigirá averiguação exemplar pelo CREA. Ao final, a TTRANS ambicionava ter um “produto” para vender ao Brasil e ao mundo!

Retiraram da oficina do Guimarães, e desmontaram, oito bondes. “Crime cultural”, acusou o arquiteto Carlos Fernando Andrade, superintendente do IPHAN na Audiência da Comissão de Cultura da ALERJ. Face ao desmonte do Sistema desde 2005, os moradores têm apenas 2 bondes tradicionais circulando.

De fato, a SETRANS não assume a sua responsabilidade pela prestação do serviço público de transporte. Santa Teresa exportou o conhecimento técnico da “memória dos carris cariocas” para a cidade de Santos. A experiência é um sucesso. A cidade está radiante com o resgate da sua história e cultura. Enquanto isso, o Rio joga no lixo um dos seus bens mais preciosos. O INEPAC preferiu o compadrio intra- governamental.

Ao invés de assumir sua precariedade e contratar engenheiros especializados para ajudar em um projeto de restauro dos bondes, fez vista grossa para a arrogância e os preconceitos da SETRANS. A princípio, mecanismos que incorporam avanços tecnológicos podem, ou mesmo devem, funcionar melhor. Entretanto, nem sempre isso é verdade. Se o mecanismo é utilizado em contexto inadequado, o fracasso é certo. Desde a sua chegada a Santa Teresa, o bonde-modificado, conhecido como Frankestein, vem apresentando defeitos, mostrando-se inadequado ao meio, provocando sucessivos acidentes. Pudera: bonde não é trem. Uma via exclusiva não é a via compartilhada com carros, ônibus e caminhões, provocando diferenciação progressiva dos gabaritos.
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Houve um acidente na oficina em 01º/06/08, que quase matou um operário. Motivo: o freio não funcionou. Não houve colisão, o bonde simplesmente, e de repente, despencou sem remédio. Na noite de 10 de agosto de 2009, também sem qualquer colisão, em frente à delegacia, o bonde-transgênico simplesmente parou e… começou a descer de ré, na contra-mão. Um ônibus vinha subindo e conseguiu desviar, não sem antes colidir, levemente. A SETRANS negou o ocorrido mas, diante das provas, fotos, ocorrência na 7ª DP, testemunhos, disse que “não foi um acidente, foi um incidente”. Seria patético se não fosse trágico.

O óbvio veio a ocorrer, e não demorou. Um acidente grave, menos de uma semana depois, matou a professora Andréa e feriu vários usuários, três deles gravemente. Dessa vez, o pára-choque de um automóvel, encontrou pela frente, na sua altura (!), sem qualquer proteção, a tal “caixa do freio knorr”. Também pudera, com tanta coisa para pendurar debaixo da plataforma, não sobrou lugar, e aí…

Os outros freios, também não funcionaram de novo. O Frankestein parou em cima de um ônibus. Infelizmente, a passageira ficou entre eles.
É preciso abandonar todo o Plano de Desmonte do Sistema de Bondes. Como já era esperado, não deu certo. O caso agora é retirar os bondes-frankestein do bairro, colocá-los para rodar no Centro da Cidade, se alguém tiver a capacidade de garanti-lo, talvez da Muratori à Praça Quinze, ou em outro trecho plano, de preferência em corredor exclusivo. Para Santa Teresa, os

19 bondes tradicionais, plenamente restaurados, rodando de 5min em 5min, na Estação Carioca, desde as 5h até as 24h, até a Lagoinha e o Largo das Neves, operação pública do transporte essencial, com todas as gratuidades viajando junto com todos, moradores e visitantes.

De imediato, necessitamos todas as peças dos bondes desmontados em Três Rios de volta para Santa Teresa, e de uma garantia de que nenhuma parte dos bondes históricos será retirada da oficina. Para ver rodando os bondes antigos, mais seguros, queremos uma verba emergencial para restaurar os seis bondes tombados que ainda estão no galpão do Guimarães. Uns R$ 800 mil deve dar e sobrar. Trazer de volta os 36 funcionários da manutenção, demitidos em maio de 2008, também é necessário. Os usuários vão querer participar desta nova administração.

Até para evitar novas maracutaias. Assim, começaremos a reconstruir uma administração séria e eficiente, nos bondes de Santa Teresa.
Os moradores pedem ajuda aos cariocas e aos visitantes, brasileiros e estrangeiros, para a defesa desta história viva e utilitária, e que é de todos.